sexta-feira, 22 de junho de 2012

Crítica MBP - copyfónico

Para chover no molhado, mais vale chover meu Verão A Rádio não gosta de música. Mais. A Rádio não gosta dos portugueses. Se a Rádio gostasse dos portugueses, não os fazia miseráveis o dia inteiro,servindo-lhes música de uma pop duvidosa como quem vende pastelaria atrasada. A julgar pela Rádio, o país parou, algures entre o comunicado do MFA e a adesão à CEE. Pode não parecer, mas o texto em baixo é sobre o álbum “Música Bipolar Portuguesa” dos Corsage. A decisão era difícil. Opção primeira: permanecer a banhos no Algarve, entretendo turistas mais desejáveis em praias de falésia ocre que estendidas como lagostas num Bank Holiday em Queens Park; opção segunda: rumar a Lisboa e assistir ao concerto dos Corsage no Cine Incrível (Almada). Modificando um pouco a frase de um antigo anúncio publicitário, três vivas ao homem que mandou a club house do resort para o caralho e se enfiou em Almada Velha para ouvir boa pop em Português. M80: A Rádio Salva Vidas Leitor de CD avariado e sem antena no carro, a viagem pela A2 fez-se ao som da M80. Da única vez que ia adormecendo ao volante um Best Of dos Specials salvou-me a vida. Desta vez, foi a M80. À falta de frase mais escorreita, a M80 é, tipo, o que classificaria uma rádio de merda. No entanto, a forma nicho como se enquadra no mercado – todos os êxitos dos anos 70, 80 e 90 – não dá grande margem para dúvidas. Na falta de melhor, duas vírgula nove em três vezes sai música que podemos cantarolar – às vezes até com gosto. É uma rádio nostálgica. Uma nostalgia passageira, para pessoas em trânsito. Gostar de Phil Collins enquanto se rasga a A2, não faz mal a ninguém. Entre um Phil Collins e outro, uns Police e uns D.A.D ou outra porcaria qualquer hard-rock-cabeleireira, os nossos GNR de Rui Reininho, parecem – e são – uma brisa de inteligência e intelectualidade Ibérica notável. E porquê? Porque fizeram as melhores canções pop em Português, que o público – e a rádio – irá ouvir em anos. Mas isso até nem é verdade, pois uma mão cheia de grupos portugueses anda a fazer boa e inteligente pop na nossa língua. Pop portuguesa que as rádios nacionais se escusam a passas – a M80, compreende-se, não passa por via editorial, as outras, por via da estupidez natural. O Disco Vamos então ao disco. Ouve um erro claro de observação do tio Copy aquando da audição de “Adeus Europa”, o single de avanço de “Música Bipolar Portuguesa”. Pensavámos que Henrique Amoroso, adoptaria agora em Português uma postura contestatária – o que só seria natural quando se passam anos a cantar noutra língua. “Expor-se” na língua de todos nós pode fragilizar o indivíduo. A mais, quando o indivíduo é o frontman duma banda experimentada e competente. Mas Amoroso apenas revela essa faceta crítica em “Adeus Europa”. Na pose e estilo, é o mesmo Amoroso dos Corsage antigos, um cronista dandy. E como cronista social musical, Amoroso conta em formato pop pequenas histórias e retalhos da vida de um médico de província. Médico, porque cura pela pop. De província, porque estudou nas grandes escolas Europeias mas permaneceu em Lisboa, para tratar apenas pequenas maleitas. Pelo amor à medicina e ao seu povo, acabou passando ao lado a glória internacional de, por exemplo, uns Belle and Sebastian. E é isso que me deixa um bocado nervoso ao ouvir este disco. Temos aqui instrumentais pop arejados e saltitantes da melhor casta da pop internacional. Coisa que faria boa figura em qualquer festival na Europa. Ainda por cima, com o bónus do bom português. Ainda por cima, com o fulgor orelhudo duns GNR. E a Rádio? Nada. Onde anda a Rádio então? Anda entretida com a porcaria dos passes VIP e os bilhetes à borla para os amigos irem aos festivais de Verão e a puta da Lady Gaga, é o que é. Dentro da pop moderna com referências clássicas, os Corsage são muito bons. Dentro da pop em geral, os Corsage são uns mauzinhos. E porquê? Porque em formato canção mostram e escondem com a destreza das mais experimentadas strippers de Albufeira. “Chuva no meu Verão” – com um título de fazer inveja a qualquer clássico dos anos 60 – é um exemplo. É pura maldade só repetir uma vez o verso/refrão “Chuva no meu Verão”. Fossem os Corsage outros e repetiriam “Chuva no meu Verão” até… à Primavera do próximo disco. E, pois, é disso que o povo e a rádio gosta: repetição. Mas os Corsage são melhores do que isso. Como músicos experimentados (e cultos) sabem que o ponto de fervura é atingido apenas com uma repetição. Confie-se neles, portanto. Sabem o que fazem. Outros temas, para além do excelente “Chuva no meu Verão” (single, anyone?): “Adeus Europa” (já falado no Copyfónico), o terno “Menina de Lisboa”, o entusiasmante “Laisser Tomber” ou mesmo os não menos orelhudos “Joana é Autista” ou “Nietzche Sushi Fashion Victim” (boa música, refrão menos cativante). Longe de um qualquer distúrbio psiquiátrico (como pode sugerir o colete de forças da capa) “Música Bipolar Portuguesa” revela uns Corsage crescidos e em boa condição (física e mental) com um disco de Portugal, para os portugueses e em português, mas temperado por uma cama instrumental de vocação e inspiração internacionais. Estão no entanto presos a uma antiga ditadura. A ditadura da Rádio. Fossem os Corsage torturados no Tarrafal e nasceriam várias ruas Henrique Amoroso na Margem Sul. O Concerto A entrada em palco, alguns minutos depois das onze, revelou um quinteto seguro e confiante. Fez-se ao som de “Café Leopardo”, ao que se seguiu “Laissez Tomber”. Amoroso, de pose descomprometida, ligeriamente arty, cantou, dançou e agigantou-se em sombras na tela do Cine Incrível, onde a capa do disco se encontrava projectada. A audiência – gente gira e com vontade de dançar – respondeu bem à sucessão de temas do disco, por vezes apresentados por Amoroso com referências especiais às (boas) letras. Findo o espectáculo, e porque a noite era de festa – a Two Tone Store, celebrava o quarto aniversário – à semelhança da M80, mas com estilo e bom gosto, houve Djs revisitando êxitos da melhor pop da década de 60, 70, 80 e 90. Arriscamos citar, mais uma vez, “Chuva no meu Verão”, (numa de várias interpretações da frase) no que entendemos ser um recado dos Corsage a um Portugal que nunca muda de atitude, perdido numa ideia vaga entre ser genuíno ou imitação e, por isso, ignorando propostas válidas e consequentes como a dos Corsage: “Não me comove a instalação da tua prima/ De que me serve ter Nova Iorque à mão de barriga vazia?” Não é todos os dias que aparece uma banda em português claramente pop algures entre uns Belle and Sebastian e a editora revivalista Memphis Industries (The Pipettes). Até, se lançassem um EP com algumas canções do disco cantadas por três miudas giras (algo entre as Doce e as Pipettes) não temos dúvidas que seria um estrondo de vendas, tipo Humanos indie. Se isso acontecesse, eu chamava-lhes As Corsettes.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Crítica - Diario Digital

Os Corsage introduzem um novo conceito: a «Música Bipolar Portuguesa», ancorada num passado de sonhos pop, agora anacrónicos. O currículo dos músicos dos Corsage indica bandas como Pop Dell´Arte, More República Masónica e Raindogs e esse passado está todo em «Música Bipolar Portuguesa», título de humor refinadíssimo numa altura em que a bandeira é hasteada, tantas vezes com fundamento mas outras tantas apenas porque da mesma forma que a portugalidade era menosprezada, agora é vangloriada. Aliás, se há banda que não se revê neste presente são os Corsage e basta atentar na ironia de letras como «Nietzche Sushi Fashion Victim» ou «Uterotopia» para se alcançar o desprezo com que olham para um tempo que também é seu em que, por exemplo, a música se transformou num espaço de afirmação social, ou por outras palavras, mais fortes, numa feira de vaidades. Por aqui, evoca-se a mutação linguística dos Pop Dell´Arte, o risco dos GNR e a teatralidade de Morrissey, sem uma identidade muito generosa mas com uma sincera vontade de não banalizar. Ou como se o Rock Rendez-Vous reabrisse as portas não exactamente com as mesmas pessoas mas, pelo menos, com a mesma abertura de espírito e vontade de abrir caminho. Esta «Música Bipolar Portuguesa» é para pessoas cultas que cultivam a memória. Esse é também o defeito de um disco de genuinidade inatacável: falta-lhe frescura e uma linguagem mais solta para não se assemelhar a um baú reconstruído. Não há mal nenhum em parar no tempo desde que não se torne uma obsessão. E, por vezes, cheira a mofo neste terceiro auto dos Corsage. Davide Pinheiro

terça-feira, 5 de junho de 2012

Crítica Bandcom

Corsage - "Música Bipolar Portuguesa" Os Corsage são um quinteto orgulhosamente lisboeta e português, algo que transparece ao longo de todos os temas de "Música Bipolar Portuguesa", o terceiro disco de originais da banda de Henrique Amoroso, Nuno Castêdo, Pedro Temporão, Nuno Damião e Carlos António Santos que conta com a colaboração vocal em algumas canções de Selma Uamusse (Wraygunn). Depois de "Finito L' Amore", os Corsage constroem novamente um disco de puro encantamento e sedução onde envoltos em belíssimas letras e uma instrumentação altamente trabalhada, estão pormenores e detalhes que fazem de canções tais como "Nietzche Sushi Fashion Victim", "Joana é Autista", "Chuva no meu Verão", Menina de Lisboa" ou "Uterotopia" perfeitos arguidos que exigem com toda a sua culpa um botão replay sem fadiga. Tal como na própria cidade de Lisboa, existe um sentido muito próprio e rico da cosmopolis no CD, havendo referências a acontecimentos históricos, a cidades e culturas estrangeiras e a cenas do dia-a-dia que são descritas com a atenção e observação apenas tradicionais de escritores e obras ilustres. Um bouquet, um corsage que em certos momentos é instilado de vida pelas ideologias da ironia e do contraste, uma chamada de longo alcance de Morrissey a banhos na sua própria personalidade. Mais do que bipolar, o disco é uma constante reunião de várias maneiras de atingir uma mise-en-scène da pop dos anos 80 e 90 de origem anglo-saxónica e também portuguesa, numa congelação perfeita dos GNR que ouvíamos, dos Divine Comedy que vamos ouvindo, dos Belle & Sebastian e Spiritualized que facilmente nos encantam. Mas pop com imaginação e introspecção, vulgar mas não vulgarizada, com análise, algum chiste e sem impaciência pela emancipação. Se ao observarmos a capa deste disco podemos pensar numa imagética metafórica para um sem-número de situações sem futuro em Portugal e no resto do Mundo, já a música que se ouve dá claros sinais da jovialidade de um conceito antigo: a invencibilidade da melodia. Um dos discos do ano que poderá ser alvo de desatenção demagógica.